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domingo, 20 de janeiro de 2019

Amores Inventados: O Cara da Tabacaria

Nada me incomodava mais do que relembrar velhos amores que de nada serviram. Desses que a gente sente duas grandes felicidades: quando chegam e quando vão embora. O problema era eu e minha mania de nunca conseguir deixá-los ir completamente. Minha vontade quase que insuportável de rememorá-los, vez ou outra, só pela leveza de sentir que nada mais nosso existia, apesar do que deles, em mim, restara: aquele embrulho incômodo no estômago, algumas crises de ansiedade e um psicológico abalado.
Quis eu, nesse dia, abrir uma conversa com um ex qualquer, só pra cutucar meu ego e fazê-lo entender que existem coisas, com as quais, ele era incapaz de lidar. Reli meus "eu te amo" cheios de amor. Questionei-me a que ponto ia minha obssessão por  amar alguém na tentativa de autoafirmar um amor que, sabia bem, nunca poderia dar.
Senti uma asco de mim mesma. Um sabor àspero das palavras que um dia deixei que escapassem sem sentido da minha cabeça. Algumas coisas deveríamos ser responsáveis o bastante pra manter guardadas em silêncio. Não era meu caso. No quesito responsabilidade, eu era a primeira na lista dos reprovados.
Eu precisava de um cigarro, qualquer coisa que me tirasse aquele sentimento de repulsa. Se eu fumava? Às vezes. Quando o enjôo somente não basta, a gente acende um cigarro e deixa ele queimar, na esperança de matarmos algo dentro de nós, que não um pedaço de nós mesmos.
Fui à tabacaria, pedi um Kumbayá. Cigarro leve e apropriado pro meu espírito aprendiz na arte malandra dos fumantes. "Quase um chá, nem dá onda", diziam os experientes.
O cara me ofereceu um com tabaco. Dei de entendida e aceitei.
"Seda, você já tem?"
"Tenho sim."
E o pior é que eu tinha mesmo. Tinha seda do mesmo modo que tinha uma vontade enorme de amar. Pra que ambos serviam, eu não fazia ideia. Não sabia bolar, assim como não sabia amar.
Ele me olhou com um olhar de maconheiro convicto. Penso que viu em mim a mina bem resolvida que acende um só pra relaxar, só pra desbaratinar e desligar daquela sociedade careta e hipócrita que condena a erva que lhe convém condenar, que tira a escolha de alguns por não saber ser dona das consequências das suas próprias escolhas.
Imaginei ele ali largado, a fala arrastada, o sorriso solto e os zóin sem dono, curtindo a brisa do momento, sem se preocupar com qualquer julgamento. Pareceu-me divertida essa coisa de viver só o presente, de ser só o que se é, sem medo do depois.
Perguntei o valor. Pedi que passasse no crédito. Mês que vem eu resolvo esse meu pseudo-surto pós-adolescente.
Peguei minha sacola e já ia me retirar, quando ele me desarmou falando que, na próxima semana, chegariam tipos novos, sem tabaco.
A última frase ressoou na minha mente. Eu pensara errado. Ele sabia da minha inexperiência, da minha ingenuidade com as coisas do mundo. Ele sabia do meu desespero em me deparar sozinha, em casa, com umas sedas aleatórias e um fumo que me derrubaria e me levaria ao fundo da minha própria existência.
Pensei em convidá-lo pro rolê, só pela comodidade de ter quem resolvesse o problema da minha inabilidade manual. Cheguei a imaginá-lo jogado no meu sofá, fitando-me com seu olhar chapado enquanto ia me ensinando, da vida, as coisas mais loucas e cheias de sentido. Desejei verdadeiramente aquele encontro, diferente de todos os outro, mas a companhia de alguém livre só me jogaria na cara o quão rara era, pra mim, a liberdade. Eu não sabia sequer me livrar dos amores que, no passado, inventara.
É. Eu não sabia bolar, assim como não sabia ser livre pra amar.

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