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quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

O Natal Pertence às Crianças

Foi uma noitada até que boa pra um 23 de Dezembro: duas doses de Jack Daniels, alguns shots de José Cuervo, meio maço de Malboro Vermelho; uma menina embriagada, um Natal arruinado, né?
                É, eu odiava o Natal.  
                Natal pra mim já deixara de fazer sentido há muito tempo. Nunca fui do tipo religiosa, Igreja sempre foi sinônimo de “as chatisses a que sou obrigada pelos meus pais”e Natal era o Ó da hiprocrisia. Aliás, por diversas vezes já me questionei se as pessoas de fato sabem o que se comemora no Natal, além da gula e do consumismo. Além da vaidade de fingir que se tem uma família linda, unida e feliz. Ainda bem que inventaram o Papai Noel, talvez ele seja a coisa mais real que exista no Natal.
                Já eram 6:30 da manhã quando eu voltava pra casa. Minha cabeça latejava e eu só conseguia imaginar o som estridente da voz da minha mãe me acordando a dali algumas horas pra ajudá-la com os preparativos do Natal.
                “Onde você guardou os enfeites de mesa?”
                Eu odeio o Natal.
                “Já colocou o Peru no Forno? O pudim ainda tá no fogo? Vai queimar!”
                Eu odeio o Natal.
                “Já escolheu sua roupa? Ainda não tomou banho? Tem que estar bonita! Suas primas vêm sempre tão arrumadas! ”
                Meu Deus, desculpa eu a hipocrisia, mas eu odeio o Natal.
                Ergui o volume do rádio pra ver se calava a boca daquele meu superego inconveniente tranvestido de mãe. Deixe-me em paz, será que eu não posso simplesmente não gostar do Natal?
                NÃO EU NÃO PODIA! E foi o próprio rádio quem jogou isso na minha cara ao começar a tocar aquela velha e conhecida música de Natal da Simone “Então é Natal”. Lembra? Aquela que começa te perguntando “e o que você fez?” e que diz que Natal é coisa "do velho e do novo”, “do amor como um todo” e termina falando de Hiroshima e Nagasaki. Na boa, acho aquela música um puta apelo emocional, como se eu fosse obrigada a me comportar direitinho pra ser recompensada por isso depois. (E que tipo de recompensa? Hein? Será que eu quero?) O problema é que eu, assim como muitos, eu acredito, cresci ouvindo aquela música no Natal e quando ela começou a tocar no rádio foi a vez dos meus pensamentos flutuarem.
                E eu me lembrei da época em que, pequena, esperava ansiosa pelo Natal. E não só por causa dos presentes – mas principalmente por eles – mas também porque Natal era quando a casa estava em festa. Lembrei que Natal era quando eu via um montão de gente que vinha de longe. Tá certo que pra maioria eu não dava a mínima, mas tinham alguns poucos que eu gostava muito e que era só no Natal quando eles vinham. Alguns que, inclusive, nunca mais verei. Lembrei que Natal era quando eu ainda acreditava que meus pais se amavam, pelo menos eles fingiam bem isso, e quando nenhum deles tinha que dormir cedo pra trabalhar no dia seguinte. E era só no Natal quando a nossa família estava completa. Lembrei que só no Natal eu não brigava com o meu irmão, já que ele, entretido com os seus brinquedos, esquecia de mim e das minhas bonecas. Natal era quando eu podia ficar acordada até de madrugada e era a única ocasião durante a minha infância em que eu dormia picado, já que acordava diversas vezes durante a noite pra conferir se meus brinquedos estavam lá ou se tinham sido só sonhos. Lembrei que no Natal eu podia comer quantos doces quisesse que nenhuma cárie iria me pegar. Lembrei que Natal era quando eu me sentia feliz ao ir dormir e continuava feliz ao acordar, sabendo que aquela comida gostosa ainda estaria lá.
                Eu não me lembro da música acabar e demorou ainda um tempo mais pra eu conseguir me situar. Durante aqueles poucos instantes em que estive longe eu revivi o Natal que o tempo havia levado de mim. O verdadeiro espírito de Natal que eu conheci quando criança mas que, infelizmente, eu deixei morrer junto ao envelhecimento do meu próprio espírito. E senti que a minha maior ingenuidade tinha sido odiar o Natal pelo ódio que eu mesma acumulara do mundo e das pessoas. Não, eu não podia simplesmente odiar o Natal; eu não tinha esse direito. O Natal, o verdadeiro Natal não pertencia a mim nos meus arrogantes 23 anos, porque o Natal não pertence aos adultos que nos tornamos, mas vive junto a nós na lembrança da criança que um dia fomos.
                Minha cabeça ainda latejava quando eu cheguei em casa. Com alguma sorte conseguiria dormir umas 3 horas. Olhei a árvore de Natal no canto da sala e abaixo dela um embrulho com o meu nome. Perguntei-me se eu realmente merecia ganhar alguma coisa no Natal. Não, eu não merecia. Mesmo assim, dormi picado imaginando, ansiosa, o que conteria o tal embrulho.  
 
 
                                                                                                                     MaVi
 
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