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quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Amores Inventados - O Cara da Fisioterapia

Não era só minha vida amorosa que era um desastre. Na verdade, toda minha vida era. Quis eu entrar na moda da galera fitness e logo fui colocada no meu devido lugar: um tropeço na escada ao final do treino, um ligamento rompido, um tornozelo imobilizado por seis semanas. Assim mesmo, de repente e sem glamour. Nada perto de uma grande performance, dessas que dão até orgulho guardar lesões e cicatrizes. Nada. Somente uma menina torta caída no chão. 
Comecei a fisioterapia como recomendado. A vatangem era que, ali, eu me sentia menos destoante. Não precisava competir com o velhinho do joelho zoado, nem com a tiazinha da pelve quebrada. O meu baixo nível atlético era completamente aceitável e todos pareciam realmente acreditar que era por culpa do meu tornozelo machucado. Fisioterapia devia ser modalidade esportiva, eu pensava. 
Naquela tarde, contudo, não consegui ir no horário de costume. Marquei a sessão pras 19:00. Cheguei mais cedo e esperei sentada na maca da sala de exercícios. Vi um cara na maca ao lado. Devia estar ali pelo mesmo motivo que eu. Tínhamos algo em comum: revezar a mesma profissional, talvez os mesmo aparelhos. O ponto é: tínhamos algo em comum e aquilo já era suficiente pra disparar as paranóias da minha cabeça, ainda que eu tivesse achado horrorosa a combinação da camisa com o a bermuda que ele.vestia.
"Fez o quê ai?"
"Rompi o ligamento."
"Nossa! Dói, ne?"
"Foi parcial, não dói tanto assim. E você?"
"Cai de moto. Rompi o ligamento cruzado do joelho."
Ele falava "ligamento" de um jeito engraçado, tinha algum sotaque forte de quem não era dali. E eu era a louca dos sotaques. Por mim, ficaria ali ouvindo ele falar por horas a fio só pra tentar descobrir as diferentes histórias de diferentes lugares que aquele linguajar guardava em si. Mas a fisioterapeuta chegou e a única coisa que revezamos foram olhares longínquos, um para o outro, dos cantos opostos da sala. Ele era meio desengonçado e, de certa forma, aquilo me fazia bem: eu ria dele e, aposto, que ele ria da minha falta de habilidade também. 
Uma hora quase se passou entre olhares trocados. Penso que aquele amor foi um dos mais duradouros que já tive. Tive até medo dele se tranformar em algo real. Bobeira.
"Lucas, mesmo horário semana que vem?"
"Sim, já avisei minha noiva que das 19 às 20 sou seu, mas, depois disso, sou só dela."
"E vc, querida?" 
"Qualquer um que não o das 19."
Ela riu e eu entendi o porquê de ter nos separado durante toda a sessão. 
Das 19 às 20, ele fora dela. Depois disso, ele foi da outra. Meu, ele foi só mais um numa coleção inacabável de amores inventados. 

#omundodemavi

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