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quinta-feira, 17 de julho de 2014

Amores Inventados - ÔNIBUS

Entrei no ônibus num dia pós noite mal dormida. O cabelo ainda molhado, a maquiagem feita às pressas e a cara de poucos amigos. Não me olhe com esse jeito de quem diz “bom dia”, velhinha dos infernos. Não fosse você quem sabe eu teria um lugar pra sentar.
             “Saldo indisponível”
            “Passa no crédito.”
            “Oi?”
            “Aceita débito?”
            “Você é idiota?”
            “Ahan, sou.”
            A catraca girou e meu cérebro quase foi jogado pela tangente. Queria vomitar meus próprios sentidos se possível. Meus olhos artificialmente abertos guiavam meus passos mecânicos até um mínimo espaço vazio no final do carro. Parei, em pé, ao lado da patricinha, tão majestosamente acomodada, que cheirava Dolce e Gabbana. Tão impecável! Deve tá enojada com a minha presença, Tadinha. Enfiei o fone nos ouvidos. Rock pesado pra ver se revivo. E imaginei o que aquela Barbie pensaria se ouvisse o que eu ouvia, enquanto o sertanejo da modinha rolava solto no seu iphone 5.
            Fiquei perdida no tempo, desejando a sorte que o azar daquele dia não traria. Dez, quinze, trinta minutos assistindo ao entra e sai das pessoas mais estranhas e bizarras. Cada uma com sua mania; cada qual com sua história; e eu, lutando pra me manter em pé.
            Eis que por alguns segundos eu despertei pra vida. Foi um curto instante, quando o toque desesperado de uma mão encontrou a minha junto ao apoio superior. Uma outra mão, vinda de um outro corpo que tentava, assim como o meu, se equilibrar. No meu virar de rosto eu não distingui os traços do seu rosto, mas vi os detalhes dos seus olhos que, como os meus, se mantinham fixamente abertos, e pude sentir o hálito de café que exalava da sua boca. Engoli em seco o gosto amargo do café que ainda revirava o meu próprio estômago.
            O ônibus parou novamente. Ele desceu. Eu quis chamá-lo, pedir que me olhasse de novo e só mais uma vez. Mas era tamanha a minha luta pra me manter ali em pé que eu mal tinha forças pra abrir a boca. Poderia ter sido um grande amor casual - eu pensei - mas, por culpa da minha preguiça de viver, foi só mais um na minha coleção de amores inventados. 
MaVi

#amoresinventados #omundodemavi

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