Foi uma noitada até que boa pra um 23 de
Dezembro: duas doses de Jack Daniels, alguns shots de José Cuervo, meio maço de
Malboro Vermelho; uma menina embriagada, um Natal arruinado, né?
É,
eu odiava o Natal.
Natal
pra mim já deixara de fazer sentido há muito tempo. Nunca fui do tipo
religiosa, Igreja sempre foi sinônimo de “as chatisses a que sou obrigada pelos
meus pais”e Natal era o Ó da hiprocrisia. Aliás, por diversas vezes já me
questionei se as pessoas de fato sabem o que se comemora no Natal, além da gula
e do consumismo. Além da vaidade de fingir que se tem uma família linda, unida
e feliz. Ainda bem que inventaram o Papai Noel, talvez ele seja a coisa mais
real que exista no Natal.
Já
eram 6:30 da manhã quando eu voltava pra casa. Minha cabeça latejava e eu só
conseguia imaginar o som estridente da voz da minha mãe me acordando a dali
algumas horas pra ajudá-la com os preparativos do Natal.
“Onde
você guardou os enfeites de mesa?”
Eu
odeio o Natal.
“Já
colocou o Peru no Forno? O pudim ainda tá no fogo? Vai queimar!”
Eu
odeio o Natal.
“Já
escolheu sua roupa? Ainda não tomou banho? Tem que estar bonita! Suas primas
vêm sempre tão arrumadas! ”
Meu
Deus, desculpa eu a hipocrisia, mas eu odeio o Natal.
Ergui
o volume do rádio pra ver se calava a boca daquele meu superego inconveniente
tranvestido de mãe. Deixe-me em paz, será que eu não posso simplesmente não
gostar do Natal?
NÃO
EU NÃO PODIA! E foi o próprio rádio quem jogou isso na minha cara ao começar a
tocar aquela velha e conhecida música de Natal da Simone “Então é Natal”. Lembra?
Aquela que começa te perguntando “e o que você fez?” e que diz que Natal é
coisa "do velho e do novo”, “do amor como um todo” e termina falando de
Hiroshima e Nagasaki. Na boa, acho aquela música um puta apelo emocional, como
se eu fosse obrigada a me comportar direitinho pra ser recompensada por isso
depois. (E que tipo de recompensa? Hein? Será que eu quero?) O problema é que
eu, assim como muitos, eu acredito, cresci ouvindo aquela música no Natal e
quando ela começou a tocar no rádio foi a vez dos meus pensamentos flutuarem.
E
eu me lembrei da época em que, pequena, esperava ansiosa pelo Natal. E não só por
causa dos presentes – mas principalmente por eles – mas também porque Natal era quando
a casa estava em festa. Lembrei que Natal era quando eu via um montão de gente
que vinha de longe. Tá certo que pra maioria eu não dava a mínima, mas tinham
alguns poucos que eu gostava muito e que era só no Natal quando eles vinham. Alguns
que, inclusive, nunca mais verei. Lembrei que Natal era quando eu ainda acreditava
que meus pais se amavam, pelo menos eles fingiam bem isso, e quando nenhum
deles tinha que dormir cedo pra trabalhar no dia seguinte. E era só no Natal
quando a nossa família estava completa. Lembrei que só no Natal eu não brigava
com o meu irmão, já que ele, entretido com os seus brinquedos, esquecia de mim
e das minhas bonecas. Natal era quando eu podia ficar acordada até de madrugada
e era a única ocasião durante a minha infância em que eu dormia picado, já que acordava
diversas vezes durante a noite pra conferir se meus brinquedos estavam lá ou se
tinham sido só sonhos. Lembrei que no Natal eu podia comer quantos doces
quisesse que nenhuma cárie iria me pegar. Lembrei que Natal era quando eu me sentia
feliz ao ir dormir e continuava feliz ao acordar, sabendo que aquela comida
gostosa ainda estaria lá.
Eu
não me lembro da música acabar e demorou ainda um tempo mais pra eu conseguir
me situar. Durante aqueles poucos instantes em que estive longe eu revivi o
Natal que o tempo havia levado de mim. O verdadeiro espírito de Natal que eu
conheci quando criança mas que, infelizmente, eu deixei morrer junto ao
envelhecimento do meu próprio espírito. E senti que a minha maior ingenuidade
tinha sido odiar o Natal pelo ódio que eu mesma acumulara do mundo e das
pessoas. Não, eu não podia simplesmente odiar o Natal; eu não tinha esse
direito. O Natal, o verdadeiro Natal não pertencia a mim nos meus arrogantes 23
anos, porque o Natal não pertence aos adultos que nos tornamos, mas vive junto a nós na lembrança da criança que um dia fomos.
Minha
cabeça ainda latejava quando eu cheguei em casa. Com alguma sorte conseguiria
dormir umas 3 horas. Olhei a árvore de Natal no canto da sala e abaixo dela um
embrulho com o meu nome. Perguntei-me se eu realmente merecia ganhar alguma
coisa no Natal. Não, eu não merecia. Mesmo assim, dormi picado imaginando, ansiosa, o que conteria o tal embrulho.
MaVi
#natal #escrevaescrevaescreva #keeponwriting #omundodemavi
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirÓtimo texto,eu não gosto do natal rs
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