Pelo modo como reagiu, eu causara nele o mesmo desconforto que ele em mim. O mesmo desconforto, encarado, porém, de formas tão irritantemente distintas, em razão de realidades tão humilhantemente - pelo menos pra mim - distantes. Enquanto eu fazia de tudo pra desviar os olhos dos seus, ele fazia justamente o contrário. E eu queimava por dentro ao sentir que ele lançava um olhar demorado, reparando cada pedaço de mim: desde os cabelos presos pra trás pela tiara de pérolas, passando pelo singelo decote que a camisa social permitia, descendo até minhas unhas mal feitas e a saia barata dessas lojas de departamento, terminando junto ao salto que ele nunca entenderia como se equilibrar sobre. Ele sabia como me deixar sem jeito, como me desarmar. E eu sentia que, no fundo, ele fazia tudo de propósito, como se precisasse descontar em mim a raiva de não controlar o desconcerto que eu também causava nele. Nós mal nos falávamos; eram sempre somente algumas poucas e mal pronunciadas palavras obrigadas, que dizem o necessário, mesmo sem quase nada dizer. Sempre assim: uma guerra de nós quatro; cada qual de nós contra nós mesmos. E todo dia, quando eu fechava a porta atrás de mim, só conseguia pensar no dia a menos que faltava pra completar os dois anos e meio de estagiária que ainda me restavam pela frente. Então respirava livremente pela primeira vez desde que deixara aquela sala, numa mistura de alívio e decepção.
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