O professor terminou a aula mais tarde naquela noite, como
se ter aula até onze e quinze já não fosse suficiente. Onze e vinte, onze e
meia, pouco importa. Qualquer minuto a mais parecia durar uma eternidade. Já nem
sabia mais se o velho gagá lá da frente falava de Aristóteles, Kant ou Marx.
Tanto faz, já morreram todos! Só quero ir embora daqui.
Nem
esperei a turma se levantar. Até aquela pirralhada toda se mover seriam mais
2o minutos de espera e eu corria o sério risco de perder o último carro do
metrô. Não tenho saco, nem dinheiro pra isso.
Eu era
dessas meninas classe média baixa do interior que se muda pra capital a fim de
estudar e, quem sabe, virar gente se inserindo na classe média alta paulistana.
Da mesada que eu recebia dos meus pais, quase tudo ia pra pagar o aluguel do
moquifo em que morava. A minha Bolsa Estágio eu rateava entre as contas de
água, luz, comida, transporte, etc.
Carro?
Nem pensar. Mal tinha dinheiro pra bancar a manutenção da minha bicicleta.
No
início me revoltei com a merda da tal sociedade capitalista e com o meu status
de menina classe baixa. Depois me conformei e passei a aceitar que durante
alguns bons anos eu não iria poder me dar ao luxo de perder o metrô pra casa.
Caminhei
sozinha até a estação mais próxima da Sé. Se me assaltarem, que levem tudo. Deixem só a
minha dignidade, porque ela precisa descansar pra trabalhar amanhã.
Apertei
o passo quando vi no relógio que faltavam cinco minutos pro metrô encerrar suas
atividades.
Coração
pulando pela boca e eu quase pulando a catraca pra economizar R$ 1,50 da
passagem de estudante. Escadas rolantes
paradas e eu numa vontade imensa de me jogar lá de cima, só pra chegar mais
rápido lá embaixo. Desisti da idéia. Fui
de escada convencional. Quase tropecei no último degrau quando ouvi o som do
vagão se aproximando nos trilhos. Provavelmente o último, meu Deus! Corri. Saltei
pra dentro do carro segundos antes da sirene tocar e das portas se fecharem.
Ufa,
consegui. Infelizmente, consegui.
Lá de
dentro eu vi, estancado atrás da linha amarela, aquele alguém que não teve a
mesma sorte que a minha. A calça skinny, a camisa de alguma banda alternativa,
a toquinha caída atrás, o tênis Vans cano alto. Era o típico playboy alternas,
desses hipstersinhos modernos que me enojavam. Diferentemente de mim, ele provavelmente não
pertencia àquele lugar. Ao contrário de
mim, ele provavelmente podia se dar ao luxo de bancar um táxi até em casa, ou até a lua se
preciso fosse. Entristeci-me, sem entender porque, por não poder descer e dividir o táxi com ele.
O metrô
partiu e eu nunca mais o vi, mas sonhei com aquele tênis vans cano alto ainda
mais duas vezes naquela mesma semana.
MaVi
#amoresinventados #ocaradometrô #keeponwriting #escrevaescrevaescreva #omundodemavi
Eiiiiii mano, você manda bem nas letrinhas né!!! Nao sabia desse talento! Pinto
ResponderExcluirGosto de saber de gentes da Arcadas que ainda insistem em escrever. Parabéns pelo texto, MaVi! E continue.
ResponderExcluirquando puder r quiser, visite o meu blog.
Luiz Gonzaga